Contra o silenciamento das mulheres, Mahumane pinta indignação de um género abafado pela sociedade

A expressão “pensar fora da caixa” significa adoptar uma perspectiva criativa e não convencional para resolver problemas ou enfrentar desafios. Implica afastar-se das soluções tradicionais ou óbvias e explorar abordagens inovadoras.
No contexto das artes, “pensar fora da caixa” significa romper com as normas tradicionais da arte, seja na forma, no conteúdo ou nos materiais utilizados para criar algo original, provocador ou inovador.
Esta colecção é um convite inesperado para os dias que correm, pois, constitui um grande desafio retratar figuras, situações que podem ser observadas no quotidiano, combinar disciplinas, sensações com narrativas diárias de uma forma inédita.
Desafiar convenções sociais através da arte, como fizeram, Albino Mahumana e Renaldo Siquisse, ao apresentarem a exposição conjunta, intitulada “pensar fora da caixa”.
Ao todo, o trabalho conjunto é composto por cerca de 30 quadros. No entanto, por se tratar de uma colecção que está aberta ao público, apenas uma tela será analisada a fim de estimular e despertar curiosidade de visitar a exposição que ficará aberta ao público até dia 31 de Maio, na Fundação Fernando Leite Couto. Neste artigo, importa apenas falar da tela intitulada “Batalhas Diárias”, quadro Acrílico s/ tela 44x50cm.
O termo “batalhas diárias” pode remeter a várias coisas, dependendo do contexto como um sacrifício, luta para obter algo, é comum em ambientes laborais e pode simbolizar trabalho, rotina, disciplina.
É um quadro dinâmico e cheio de movimentos. As linhas anguladas e pinceladas vibrantes criam um senso de energia, esforço e talvez dor.
A técnica lembra o expressionismo, onde a emoção e a experiência subjectiva são mais importantes do que a representação fiel da realidade. Há também um certo grau de abstração na forma como os corpos e roupas são delineados.
Quanto à composição, na tela, se pode observar uma figura central encurvada, com expressão sofrida ou tensa, um segundo rosto ou corpo sobreposto, como que emergindo da figura principal com mãos e pés alongados e em destaque, sugerindo esforço físico, os movimentos nos traços, com linhas brancas criam uma sensação de deslocamento, fadiga ou perda de energia corporal.
A imagem do bebê nas costas da mãe representa o peso das responsabilidades diárias que uma mulher, mãe, enfrenta para segurar o seu lar e ser aceite pela sociedade. Também traz consigo a metáfora de uma figura que carrega algo maior do que a si próprio, simboliza o trabalho forçado, maternidade, ou o peso da existência, uma situação idêntica é observada em “Laurinda tu vai mbunhar” um dos contos retratados em “O regresso do morto” do escritor moçambicano, Suleiman Cassamo.
“O pão rouba força nos joelhos, cega os olhos, gira o juízo da Laurinda.”
Em “Laurinda tu vai mbunhar” assim como na “Batalha diária “pode-se observar a luta pelo pão que não só simboliza a necessidade básica de sobrevivência, mas também o papel fundamental da mulher na resistência e transformação social.
“As mulheres na luta pelo pão” é uma expressão simbólica e histórica que remete à participação activa das mulheres nas lutas sociais, especialmente em momentos de crise económica, pobreza e desigualdade. Em vários contextos históricos como nas revoluções, nas greves e nos movimentos operários as mulheres estiveram na linha da frente a exigir melhores condições de vida, trabalho digno e alimento para as suas famílias.
Albino Mahumana apresenta aqui não apenas uma pintura, mas um testemunho visual da condição feminina em Moçambique, que muitas vezes é silenciada. Sua obra dialoga com temas universais como trabalho, maternidade, sacrifício e esperança, estabelecendo uma ponte entre o local e o global, o individual e o colectivo.
Na despersonalização, a forma distorcida como o autor passa as pinceladas de cor branca sugere como a identidade se desfaz no esforço diário, talvez ligado ao simbolismo das “batalhas diárias”.
A presença de duas figuras pode evocar conflitos internos, sobrecarga emocional, ou mesmo gerações.
A técnica expressionista com pinceladas cruas e cores fortes transmite angústia e sofrimento, mas também resiliência. O uso de cores quentes (vermelho, amarelo) e frias (verde, azul) pode sugerir um contraste entre dor e esperança, ou conflito e paz interior.
“Batalhas diárias” representa um comentário visual sobre a condição humana especialmente da mulher ou do trabalhador, numa sociedade que exige força e resiliência constante. Também insere-se numa linha temática que valoriza a força invisibilizada da mulher trabalhadora moçambicana. A presença do bebé acentua a dimensão intergeracional desse esforço, evocando o ciclo contínuo da vida que se renova mesmo nas condições mais adversas. É uma obra que denuncia silenciosamente, mas também homenageia com vigor as mulheres.