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Escola Moçambicana de Crítica Literária: uma utopia?

Por: João Alberto Houana

 

Ao Francisco Noa e ao José dos Remédios

 

“Literatura sem crítica é como se fosse uma literatura

sem uma especialização e isso não ajuda […] Deve

haver uma organização por detrás disso tudo, para que

exista, de facto, uma escola […].

Francisco Noa

 

 

A Literatura Moçambicana vem registando um crescimento significativo no que diz respeito à produção literária. Novos autores surgem dia-pós-dia. Argumentar sobre este assunto é como dar a luz a trigémeos recorrendo-se a uma cesariana. Portanto,

espero apresentar argumentos breves e afinados de modo a chegarem com qualidade aos ouvidos de quem deve ouvir.

Moçambique tem registado uma crescente na produção literária, quase em todas as

semanas ou meses as editoras anunciam a publicação de uma nova obra literária. Passar pela crítica é um direito que não pode ser negado a uma obra literária, ela ajuda-nos a resolver problemas da literatura e pela literatura.

No que diz respeito às obras literárias emergentes, em Moçambique, dois dos problemas que se deve resolver, primeiro, são: Depois de lançada a obra literária qual é o próximo passo para além de ser vendido comprado e lido somente? Onde está a crítica literária valorativa?

Nas oficinas organizadas pelo Camões – Centro de Língua Portuguesa, na Universidade Eduardo Mondlane, com o tema “A Escrita e a Crítica Literária e Jornalística”, sob orientação do ensaísta José dos Remédios, eu, na altura estudante do sagrado curso de Literatura Moçambicana, apresentei a proposta de criação de uma Escola Moçambicana de Crítica Literária ao dos Remédios. Sem efeito! Porque deu a entender que não quer ser pioneiro deste projecto, a semelhança de Francisco Noa, na conversa realizada na Galeria de Artes, na Baixa da cidade de Maputo, em 2023.

“A crítica foi uma actividade muito exercitada e muito respeitada nos tempos modernos… Hoje, em tempos ditos pós-modernos, ela anda um pouco anémica, reduzida ao rápido resenhismo jornalístico, necessário, mas não suficiente.” (Parrone-Moises, 1996 citado por Araújo, 2016)

E não é isso que tem acontecido? A passagem acima exorta-nos a repensar sobre a

crítica literária que se tem feito actualmente. Leva-nos a deduzir que não se pode confundir crítica literária com um simples comentário, como temos visto nos jornais e em outras plataformas.

Para se produzir uma crítica literária é necessária uma toda bagagem literária, bases

sólidas e conhecimento científico, de modo a se evitar cair em meras deduções e se confundir com uma crítica na sua essência. Mas afinal de contas, quem é que pode escrever uma crítica literária? Entendemos que todo aquele que tiver argumentos plausíveis acompanhadas de conhecimento científico relacionado, pode escrever, como é sustentado na passagem que se segue:

“O julgamento estético supõe valores consensuais, mesmo que estes sejam provisórios. O mesmo Kant dizia que, se não se pode provar o bom fundamento dos julgamentos estéticos, há, no entanto, pessoas capazes de fornecer argumentos, e comprovar assim certa autoridade nesse terreno. Os críticos são aqueles que fornecem argumentos em apoio a seus julgamentos.” (Parrone-Moises, 1996 citado por Araújo, 2016)

Para se fazer uma crítica literária, há um todo conjunto de saberes que devem ser evocados, uma espécie de julgamento fundamentado, mas a questão é: ainda há julgamento de obras literárias actualmente, ou só se elogia por ser mais uma obra que se ajunta as demais na literatura moçambicana?

Numa altura de muita produção literária em Moçambique, é imperioso haver uma escola de crítica literária para responder a essa demanda. Quando falo de Escola Moçambicana de Crítica Literária, numa primeira fase, não me refiro a uma infra-estrutura de grandes dimensões, que talvez precise de milhões para a sua materialização. Até porque o significado de escola está relacionado a uma instituição de ensino, a uma corrente composta por indivíduos defensores de uma ideia, etc.

Segundo Matola (2023), o académico Professor Francisco Noa diz que a crítica literária está em crise, e a solução é uma escola. O académico lamentou o facto de os jornais e a revistas, locais onde a crítica literária, há muito tempo, era feita de forma qualitativa e quantitativa, porque havia espaço, agora ser uma recordação. Disse ainda, que as revistas e os jornais já não têm espaço para tal:

“Literatura sem crítica é como se fosse uma literatura sem uma especialização e isso não ajuda […] Deve haver uma organização por detrás disso tudo, para que exista, de facto, uma escola […] Não precisa ser necessariamente um prédio, um edifício, tem a ver com a concentração daquilo que é o conceito das pessoas sobre a literatura…sobre livros […]

Uma obra literária ao ser submetida a júri popular, ou ao ser publicada, o autor espera reacções por parte dos consumidores ou público-alvo, porque só existe obra literária se existir o leitor. Todavia, as reacções podem ser diversas, algumas emotivas outras tecnicistas. Se, depois de lançada, a obra passasse por uma crítica de indivíduos instruídos (podendo ser estudantes de literatura moçambicana, comprometidos), talvez membros de uma escola de crítica séria, ao nosso entender, uma forma de dizer ao autor que bem ou mal, a obra foi recebida e criticada.

“O significado total de uma obra de arte não pode ser definido meramente em função do seu significado para o autor e os seus contemporâneos. Trata-se, antes, do resultado de um processo de adição, isto é, a história da crítica pelos seus muitos leitores em muitas épocas.” (Wellek & Warren, 2003).

Ter-se uma escola de crítica para avaliar as obras literárias que emergem, pode garantir que, pelo menos, as obras que são colocadas em circulação (em todo o país) usufruam do seu direito de passar pela crítica. Mas em fim, fico na esperança de que este sonho se desiutopise.

 

  1. Referências Bibliográficas

Araújo, Nabil. (2016). A crítica literária e a função da teoria reflexão em quatro tempos.

Belo Horizonte: FALE/UFMG.

Matola, Alexandre. (2023). Francisco Noa diz que a crítica literária está em crise e a

solução é haver escola. Maputo: O País.

Wellek, Rene & Warren, Austin. (2003). Teoria da Literatura e Metodologia dos Estudos Literários. São Paulo: Martins Fontes.

 

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