Mundo

Da escuridão à luz: como a eletrificação está a transformar sonhos congelados em novas oportunidades em Vilankulo

Vilankulo é uma cidade costeira localizada na província de Inhambane, no sul de Moçambique. Situada na baía de Vilankulo, a cidade é a porta de entrada para o Arquipélago de Bazaruto, um dos destinos turísticos mais procurados do país. Com uma população estimada em cerca de 151.709 habitantes de acordo com dados do INE 2022, Vilankulo tem vindo a crescer significativamente nas últimas décadas, impulsionada pelo turismo, pesca artesanal e comércio.

Historicamente, a economia local tem sido baseada na pesca artesanal, que sustenta muitas famílias da região. Além disso, a agricultura de subsistência e o comércio local desempenham papéis importantes na economia do município . A cidade é também um ponto estratégico para o turismo, com infraestruturas como o aeroporto internacional que facilita o acesso de turistas nacionais e internacionais. Apesar do seu potencial económico, Vilankulo enfrentava desafios significativos relacionados à falta de infraestruturas básicas, como o acesso à eletricidade. A escassez de energia elétrica limitava o desenvolvimento de setores essenciais, como educação, saúde e comércio, afetando diretamente a qualidade de vida da população. A situação começou a mudar com a implementação de projetos de eletrificação, destacando-se o fornecimento de energia proveniente da Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB), que tem desempenhado um papel crucial na transformação energética da cidade. A luz que descongelou sonhos e transformou vidas

DO MAR AO MERCADO: COMO A ELETRICIDADE MUDOU A VIDA DOS PESCADORES

Jaime Huo, de 57 anos, é um pescador de Vilankulo, uma cidade onde o mar dita o ritmo da vida. Ele cresceu a ouvir as histórias do pai sobre como a pesca era abundante e os dias eram guiados pela maré. Para Jaime, o mar é mais do que uma fonte de sustento; é uma parte da sua identidade, um espelho da sua resiliência e da luta diária pela sobrevivência. Antes da chegada da eletrificação regular à cidade, a rotina de Jaime era um constante desafio logístico. Depois de longas horas no mar, enfrentando ventos imprevisíveis e águas por vezes agitadas, ele voltava ao porto com caixas cheias de mariscos e peixes frescos. Mas o maior problema começava na terra: como conservar o pescado até que pudesse ser vendido? “Era muito complicado. Às vezes, eu tinha de vender o marisco a qualquer preço, porque não tinha como guardar”, lembra Jaime, enquanto aponta para o pequeno barco de madeira que herdou do pai. Ele explica que, sem eletricidade, o acesso a equipamentos de refrigeração era inexistente. A solução mais comum era recorrer ao gelo, mas este recurso, além de caro, nem sempre estava disponível. Jaime conta que, em muitas ocasiões, teve de assistir impotente enquanto parte do seu pescado se estragava. “Perdia quase metade do que trazia do mar. Era um prejuízo grande. E mesmo o que conseguia vender, saía por valores baixos porque não conseguia conservar a qualidade.” A frustração era evidente, mas havia pouco a fazer. Comprar gelo era uma despesa constante, que comia grande parte dos seus lucros. E nos dias em que o fornecimento falhava, restava-lhe distribuir o marisco pelos vizinhos, em casos extremos. Os impactos desta precariedade iam além do prejuízo financeiro. Jaime recorda-se de uma época em que sonhava expandir o seu pequeno negócio. Ele queria abrir uma banca fixa no mercado local e, quem sabe, mais tarde, investir num pequeno restaurante à beira-mar. Mas sem eletricidade para garantir o armazenamento adequado, esses sonhos ficavam sempre fora de alcance. A situação era particularmente penosa nos meses mais quentes, quando o tempo de conservação dos produtos era drasticamente reduzido. “Era como se o calor roubasse o meu trabalho. No final do dia, em vez de estar feliz com o que trouxe, só ficava a fazer contas ao prejuízo.”

Apesar de tudo, Jaime nunca perdeu o amor pelo mar. Ele acredita que a pesca é mais do que um trabalho; é uma herança. Contudo, as dificuldades do passado são um lembrete constante de como a ausência de infraestruturas básicas limitava não apenas o seu presente, mas também o futuro da sua família. Quando a escuridão ameaçava o sonho de Vilankulo.

ENERGIA QUE ILUMINA  DESTINOS: A TRANSFORMAÇÃO DO TURISMO EM VILANKULO

Mateus Vilanculos, um empresário de 52 anos, é o rosto de uma geração de empreendedores que sonhou grande em Vilankulo, acreditando no potencial da cidade como destino turístico. Proprietário de uma unidade hoteleira, Mateus sempre se orgulhou de oferecer aos seus hóspedes um ambiente acolhedor e uma experiência inesquecível. No entanto, por muitos anos, o maior inimigo do seu negócio não foi a concorrência, mas a energia elétrica – ou a falta dela. “Era como viver num pesadelo constante”, desabafa Mateus, enquanto ajeita a cadeira de madeira na varanda do hotel. Ele descreve as noites intermináveis em que o hotel ficava às escuras, com os hóspedes irritados a acenderem lanternas e velas improvisadas nos quartos. Para Mateus, cada apagão era uma mancha na reputação do seu negócio. “A eletricidade falhava quando mais precisávamos. Imagine uma noite de casamento, com convidados a dançar, música ao vivo… e, de repente, tudo para. Ficávamos ali, no escuro, a pedir desculpa, sem ter como explicar,” conta, enquanto os olhos se perdem na linha do horizonte. A alternativa era o gerador, um equipamento ruidoso e dispendioso que exigia um fornecimento constante de combustível. Nos períodos de alta ocupação, o gerador funcionava quase 24 horas por dia, queimando litros de gasóleo a um ritmo alarmante. “Cheguei a gastar metade das receitas do mês só para manter o gerador a funcionar. Era um círculo vicioso: ou investia no combustível ou corria o risco de perder os clientes,” explica Mateus. Além dos custos com o gerador, Mateus enfrentava o desafio constante de equipamentos danificados pela fraca qualidade da energia elétrica fornecida. “Os frigoríficos queimavam, os aparelhos de ar condicionado deixavam de funcionar. Os hóspedes vinham reclamar que não conseguiam dormir por causa do calor ou que os seus alimentos tinham estragado nos mini-frigoríficos dos quartos.” A tensão era palpável. Cada vez que ouvia o som de um aparelho a estalar, Mateus sabia que outro custo estava por vir. Mas os constrangimentos não terminavam aí. Os apagões frequentes afetavam também o funcionamento do restaurante do hotel. Sem eletricidade, os congeladores paravam e, com eles, a capacidade de armazenar os alimentos necessários para servir refeições frescas. “Perdi quantidades absurdas de carne e peixe. Em alguns dias, só conseguíamos oferecer pratos limitados no menu, porque o resto tinha-se estragado,” recorda-se, balançando a cabeça em desânimo. Mateus conta que muitas vezes teve de enfrentar críticas diretas dos hóspedes. Alguns sugeriam que ele fechasse o hotel até resolver os problemas elétricos. Outros, mais duros, deixavam avaliações negativas em sites de turismo, descrevendo o hotel como “um lugar bonito, mas sem condições básicas”. Apesar de tudo, Mateus nunca desistiu. Para ele, o hotel era mais do que um negócio; era o sonho de uma vida, uma forma de mostrar ao mundo a beleza de Vilankulo e a hospitalidade do seu povo. Mas, enquanto a eletricidade era um luxo incerto, o sonho parecia escapar-lhe por entre os dedos. Era um sonho antigo: a chegada de uma energia estável e confiável à cidade de Vilankulo. Durante décadas, a cidade, uma das joias turísticas de Moçambique, viveu sob a sombra da insuficiência energética, que limitava o seu desenvolvimento e o potencial da sua gente.

A TRANSIÇÃO DA ESCURIDÃO PARA A LUZ

Tudo mudou com a instalação da linha de transporte de energia Chibabava-Temane, um projeto ambicioso que transformou não apenas Vilankulo, mas também outros distritos de Inhambane e Sofala. Antes da intervenção, Vilankulo dependia da Central Termoeléctrica de Temane, cuja capacidade inicial de apenas 1 megawatt estava muito aquém das necessidades da região. Apesar de um aumento posterior para 12 megawatts, a central não conseguia atender plenamente à crescente demanda da cidade e seus arredores. Com o passar do tempo, a degradação dos equipamentos agravou a situação, impondo racionamentos e cortes frequentes. Para a população, os desafios eram constantes. Empresários, comerciantes e famílias enfrentavam dificuldades diárias que variavam entre o alto custo de combustíveis para geradores, a perda de produtos perecíveis e o impacto negativo na qualidade de serviços. Vilankulo, com sua beleza natural e importância turística, era penalizada por uma infraestrutura que já não respondia às suas necessidades. A viragem começou com o lançamento da Linha Chibabava-Temane, que usando energia produzida pela Hidroeléctrica Cahora Bassa,  interligou pela primeira vez os sistemas elétricos das regiões Centro e Sul de Moçambique. Este projeto envolveu a construção de 240 quilómetros de linha de alta tensão, unindo a subestação de Casa Nova, em Chibabava, a Temane, em Inhassoro, com uma extensão até Vilankulo. A iniciativa não apenas aumentou a capacidade energética da região, como também garantiu maior estabilidade e segurança no fornecimento. Para a implementação, cerca de 650 trabalhadores moçambicanos juntaram-se a especialistas internacionais, mostrando que a eletrificação também gera impacto social direto, criando empregos e fortalecendo competências locais. Com investimentos de 40 milhões de dólares provenientes do governo da Suécia, a infraestrutura foi desenhada para beneficiar diretamente cerca de 43 mil famílias, além de estimular o turismo e a indústria extrativa na região. Em Vilankulo, a transformação tornou-se visível. A subestação local, simboliza a mudança: luzes que permanecem acesas, negócios que prosperam, e uma cidade que finalmente pode explorar todo o seu potencial. O bairro 19 de Outubro, uma das zonas periféricas que antes dependia de soluções improvisadas como o uso de gelo para conservação de alimentos, agora respira um novo ar de esperança. Esta infraestrutura não é apenas uma conquista técnica, mas também um triunfo humano. O acesso à energia deixou de ser um privilégio de poucos para se tornar um direito acessível, capacitando empreendedores, melhorando serviços de saúde e educação, e permitindo que Vilankulo, finalmente, brilhe como a pérola que é. Nos anos em que Vilankulo dependia da limitada Central Termoelétrica de Temane, Hilário Mufume, um comerciante local, enfrentava dificuldades constantes. Para garantir o funcionamento do seu negócio, ele precisava investir pesadamente em combustíveis para geradores. Os custos eram altos, mas as perdas por falta de refrigeração de produtos perecíveis eram ainda maiores. Mesmo assim, ele não desistiu. Hilário acreditava que um dia a eletricidade estável chegaria à sua terra natal e, com isso, novas possibilidades surgiriam. Durante anos, ele manteve o sonho vivo, investindo em formação e estabelecendo redes de contacto com fornecedores e parceiros turísticos. Quando a construção da Linha Chibabava-Temane foi anunciada, ele foi um dos primeiros a reconhecer o impacto que isso teria na economia local. Enquanto as obras avançavam, Hilário começou a expandir sua visão de negócios. Ele transformou a mercearia num mini-mercado, introduzindo produtos congelados e criando um pequeno espaço para refeições rápidas, direcionado aos turistas que passavam pela cidade. O seu plano era simples: estar pronto para oferecer serviços de qualidade assim que a energia elétrica chegasse. Com a entrada em funcionamento da nova linha, Hilário viu o seu sonho concretizar-se. A eletricidade contínua trouxe a estabilidade necessária para os seus equipamentos, permitindo-lhe ampliar o seu leque de produtos e investir na conservação de pescado fresco, algo que antes era inviável. Hilário Mufume continua a sonhar grande. Com os avanços trazidos pela Linha Chibabava-Temane, ele acredita que Vilankulo está pronta para se tornar um dos maiores destinos turísticos de Moçambique.

A chegada de uma linha de transmissão de 240 km e a construção de subestações estratégicas ligaram o distrito à rede nacional de energia, trazendo luz a uma comunidade que, por décadas, viveu na penumbra. Hoje, cerca de 95.000 habitantes têm acesso a eletricidade fiável, um marco que transcende a simples ligação elétrica.

Antes, os hospitais lutavam para conservar vacinas e operar equipamentos essenciais. Agora, três clínicas privadas equipadas com tecnologia moderna surgiram no horizonte de Vilankulo, salvando vidas e oferecendo um novo padrão de cuidados médicos. Escolas que antes encerravam ao pôr-do-sol agora brilham com luzes que iluminam salas de aula até à noite, permitindo que centenas de estudantes aproveitem programas de ensino digital e reforço escolar noturno.

Mas o impacto vai além. A eletrificação consolidou Vilankulo como um destino de sonho, impulsionando o turismo e fomentando negócios locais. Com energia fiável, pescadores como João Huo podem finalmente conservar o fruto do seu trabalho, enquanto empresários veem os seus sonhos renascer. Vilankulo não é apenas uma cidade transformada — é um exemplo de como a infraestrutura pode reescrever histórias e inspirar gerações.

Artigos Relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Botão Voltar ao Topo