Formação artística: a importância da qualidade na Era Moderna!

Vivemos numa época marcada pela velocidade, superficialidade e produção em massa. A tecnologia encurtou distâncias, democratizou acessos e multiplicou vozes, mas também diluiu critérios e tornou o ruído quase indistinguível da substância. Nesse cenário, a qualidade emerge não como um luxo, mas como uma urgência inadiável.
Em todos os domínios, da arte à ciência, da educação à comunicação, a qualidade permanece como critério central de legitimidade, alicerce do legado e fonte de experiências duradouras. Investir em qualidade é resistir à mediocridade generalizada e afirmar a dignidade do trabalho bem feito.
A formação artística de excelência é, por isso, uma responsabilidade cultural e ética de primeira ordem. Ela envolve não apenas a transmissão de conhecimentos técnicos, mas também o cultivo da criatividade, o estímulo ao pensamento crítico e a valorização de uma ética de produção comprometida com a preservação e renovação do património cultural. A excelência artística transcende a técnica: é também atitude, consciência histórica e responsabilidade diante do público e da cultura tradicional ou erudita.
Este artigo propõe uma reflexão crítica-construtiva sobre a persistência da mediocridade nas práticas profissionais, com foco especial na formação artística em música erudita. Embora enraizado na experiência moçambicana, o debate tem validade transnacional. Em “Who Killed Classical Music?: Maestros, Managers, and Corporate Politics” (1996), o jornalista britânico Norman Lebrecht lança um olhar contundente sobre a crise de legitimidade e sustentabilidade da música clássica, abordando, entre outros fatores, a relação entre formação, visibilidade e exploração de talentos.
A excelência profissional, longe de ser um privilégio elitista, deve ser entendida como um compromisso ético e social. Especialmente no campo da educação artística, propõe-se que professores e artistas assumam um papel activo na formação do público e na defesa intransigente da qualidade. Ao criticar o conformismo e a reprodução acrítica de padrões, defende-se a excelência como ferramenta de transformação cultural.
A Normalização da Mediocridade nas Práticas Profissionais
No mundo contemporâneo, orientado pela lógica da visibilidade imediata e da produção acelerada, observa-se uma preocupante substituição da profundidade pela aparência. Em diversas profissões, inclusive nas artes, proliferam padrões mínimos de desempenho que legitimam uma cultura do “suficiente”. Essa banalização da qualidade compromete talentos, empobrece produtos e desfigura processos de formação.
A mediocridade, enquanto categoria ética e estética, constitui uma ameaça silenciosa mas crescente em múltiplos campos. No caso da formação artística, seus impactos são particularmente devastadores, dada a histórica desvalorização da área. É preciso denunciar esta tendência, propondo uma reflexão crítica e construtiva sobre seus efeitos, e reafirmar a excelência como necessidade cultural e imperativo ético. Especialmente num mundo mais global aonde a apropriação das culturas, dos géneros é positivamente para todos, e cada vez mais acessível com a nossa tecnologia.
No MUSIARTE-Conservatório de Música e Arte Dramática, sustentamos que a luta contra a mediocridade não é vaidade, mas compromisso com o rigor artístico e com a formação de públicos mais instruídos, críticos e sensíveis.
Formação Artística: Terreno Fértil para o Conformismo?
A abundância de talentos artísticos em Moçambique é comparável à riqueza dos seus recursos naturais. No entanto, esse potencial só se concretiza plenamente por meio de uma formação adequada e exigente. Independentemente do género musical, seja erudito ou tradicional, a busca por valores artísticos, genuínos e humanos deve ser de igual importância e contínua.
Na educação artística, a mediocridade manifesta-se de diversas formas: ausência de exigência técnica, linguística, desvalorização do pensamento crítico, repetição acrítica de modelos, negligência disciplinar e desactualização docente. Alunos jovens expostos a esse tipo de formação não apenas limitam seu potencial criativo como também internalizam padrões medíocres como “norma”.
O Papel Ético dos Professores e Artistas
Professores de arte são, acima de tudo, formadores de sensibilidade, ética e pensamento estético crítico. A sua missão vai além da técnica: inclui inspirar, desafiar e responsabilizar os alunos pela autenticidade e rigor de seu trabalho. Do mesmo modo, o artista, enquanto figura pública, é também um educador. Sua obra influencia o gosto colectivo e contribui para a construção (ou desconstrução) de um senso estético mais elevado.
Optar pela excelência, nesse contexto, é assumir um compromisso com a dignidade da profissão e com a cultura como bem público.
O Público Também se Educa: Uma Via de Mão Dupla
O público não é passivo. O gosto se educa, ou se atrofia, de acordo com a oferta cultural à qual é exposto. Apresentações medíocres, superficiais ou meramente imitativas contribuem para a erosão da exigência estética colectiva, colocando em risco até mesmo tradições seculares.
Formar um público sensível e exigente é responsabilidade compartilhada por instituições, educadores e artistas. Educar para a qualidade é também educar para a cidadania cultural.
Conclusão
A mediocridade na formação artística é mais do que uma falha pedagógica: é uma ameaça à saúde cultural da sociedade. Combatê-la é afirmar a arte como espaço de excelência, de liberdade criativa e de sentido.
A exigência, longe de ser opressiva, é libertadora. A excelência é um projecto colectivo, e sua defesa deve mobilizar todos os que acreditam na arte como motor de transformação. A busca por qualidade na formação artística deve ser entendida não apenas como uma meta técnica, mas como uma responsabilidade ética dos profissionais da cultura.
Cada professor, cada artista, cada instituição comprometida com a arte carrega o dever de educar o público, formar novas gerações com rigor e resistir activamente à normalização da mediocridade. Mais do que técnica, trata-se de uma luta por valores, por visão e por legado.
Maputo, 05 de Maio 2025