A representação da cor local em “A mulher sobressalente” de Dany Wambire

Para se identificar o espírito nacionalista de uma obra literária é necessário levar em conta alguns critérios essencias, como por exemplo, o critério linguístico, que não é infalível, o critério territorial e a cor local.
A obra literária não é um espelho do seu país? Os escritores têm um compromisso social no que diz respeito à representação daquilo que os seus países têm e do quotidiano da sua nação.
Não quero com isso dizer que as obras devem sempre optar pela cor local, até porque Bernd (1992, p.13) entende que a literatura pode nutrir-se da seiva que lhe oferece a sua região, contudo, conclui que o excesso de cor local pode vir a empobrecê-la.
Antes de trazer à superfície as amostras dos elementos que representam a nossa cor local em “A mulher sobressalente”, julgo ser imperioso apresentar uma base teórica que gira em terno do conceito e ideia de cor local. Por um lado, Ziberman (2014. p.14) define cor local como sendo a produção literária baseada no conteúdo nacional. Ou seja, é o processo em que a obra literária veste-se das cores do país. A autora conclui que este é único critério para que se possa produzir uma literatura autenticamente nacional, porque é imperioso que as obras tenham toques nacionais.
Por outro lado, Cardoso (2014) diz que cor local significa uma escrita que explora o discurso, a língua, a vestimenta, que em algumas regiões, ainda não tenha sofrido o processo da globalização, os hábitos de pensamento e a topografia peculiares de uma região.
Para Matusse (1998. p.74), estudar a moçambicanidade literária, enquanto construção (de uma identidade), não significa uma total arbitrariedade na escolha de elementos pelas quais é construída. Caminhos são procurados com o intuito de firmar uma identidade, contudo, os autores moçambicanos, movidos pelo desejo de representar a sociedade moçambicana, constroem a sua imagem.
No texto “O linchamento dos dólares”, temos representado o bairro da Munhava, pertencente ao município da Beira, onde o personagem Valdemar chora as dores da pobreza, à semelhança de muitos outros (olhando para a realidade empírica). Se serve de consolo, Valdemar não pode esquecer-se de que “[…] pobre pode perder tudo menos o sonho.” (pág.9). E o grito que emerge em língua bantu-moçambicana Cindau, quando na zona do Valdemar é capturado um ladrão “Mbava…Mbava…Mbava…” (pág. 13). Praticando justiça pelas próprias mãos, como temos visto nos telejornais, os munhavenses, à semelhança de outras partes do país, lincharam o “Mbava” (ladrão). Não é essa uma das nossas realidades?
No texto a “A mulher sobressalente”, temos representada a ideia de lobolo, como um acto cultural, nisto tudo, emerge também a ideia de ser este acto, uma condenação para algumas
mulheres, em sociedade conservadoras. Vemos no texto que a personagem Quinita pagou o preço pela irmã mais velha, lobolada, que só fazia meninas, engravidando do seu cunhado que tanto queria um menino. Mesmo em prantos, o pai de Quinita, que gastara o dinheiro do lobolo, disse, firme, que é assim como manda a tradição. “Isto é tradição e pronto.” (pág.43). Surge, daqui, a ideia de que a sociedade actual tem de entender que, a tradição, quando não salva condena.
Este acto, representado nesta obra literária, levanta uma interrogação: como fazer chegar a informação às comunidades e culturas que ainda praticam este acto (e vários outros) contra a mulher (menor de idade) de que é errado, e que estamos numa nova era. Em algumas regiões (la “no mato”) deste nosso belo Moçambique não há “magezi” (energia eléctrica) para terem televisor e acompanharem as mudanças do mundo, nem jornal chega lá.
Não se pode bater o martelo contra culturas que não sabem que aquilo que fazem já é errado. Mas pode condenar-se àquele que não faz chegar a informação.
São aludidos na obra “A mulher sobressalente”, espaços físicos como Praia Nova, Grande Hotel, e usadas expressões das línguas bantu-moçambicanas, como por exemplo, para além de Mbava e lobolo, temos xitique e maheu.
É possível notar que, os contos deste livro carregam consigo a aura da moçambicanidade. Até porque, dificilmente, uma obra literária se distancia da vida e do quotidiano do autor. Se
fizéssemos uma análise biografista, veríamos que, o autor empírico desta obra, Dany Wambire, a semelhança de muitos outros, possui em sua obra traços daquilo que vê e vive no dia-a-dia…
Bibliografia
Bernd, Zila. (1992). Literatura e Identidade Nacional. São Paulo: Editora UFRGS
Cardoso, Eduardo. (2014) Uma nação para ser vista: Desvelando o Tempo e o Espaço Nacionais por meio da Cor Local na Historiografia Oitocentista.___
Matusse, Gilberto. (1998). A Construção da Imagem de Moçambicanidade em José Craveirinha, Mia Couto e Ungulane Ba Ka Khosa. Maputo: Livraria Universitária
Wambire, Dany. (2020). A mulher sobressalente Beira: Fundza
Ziberman, Regina. (2014). Cor Local e História da Literatura._____