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Quem são os donos das guerras invisíveis em África?

12 de Maio de 2025. O norte do Burkina Faso sangra. Mais uma vez. Como sangra o norte de Moçambique, como sangrou o Ruanda, como sangra a Nigéria, o Mali, a RDC e qualquer pedaço de terra onde o cheiro do ouro, da droga ou do petróleo se misture ao sangue de jovens pobres. Dezenas de civis e militares foram executados no domingo na cidade de Djibo, cercados e abatidos como se as suas vidas fossem meros grãos de areia na vastidão da indiferença africana e internacional. Segundo às notícias que circulam e da fonte Lusa. vieram de motorizadas e viaturas, centenas deles, os chamados “extremistas islâmicos”, atacando destacamentos, esquadras e lares de famílias anónimas. Mataram homens na frente das esposas e filhos. Deixaram corpos no chão quente da terra vermelha de África. O Burkina Faso é apenas um dos palcos de uma guerra longa, suja, e que quase sempre não tem nome nem rosto. E quando tem, não são os rostos certos.

Por que África? Por que sempre aqui? Quem ganha com essa dor? E por que os nossos mortos não têm memória?

A pergunta que me atormenta não é só “por quê?” — mas por quem terrorismo em África, para quê e até quando?

A guerra invisível tem nomes. Muitos. Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQMI): herança das guerras sujas da Argélia nos anos 90. Estado Islâmico no Grande Saara (EIGS): explosão do caos após a queda de Kadhafi.

Boko Haram, um movimento que começou denunciando a corrupção na Nigéria e terminou como mercenário religioso de guerras subterrâneas. Ora Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin (JNIM) a aliança jihadista que unificou facções para dominar o Sahel. Entre outros Burkina Faso, Chade, Congo, Nigéria, Moçambique e outros.

Mas raramente contam de onde vieram, quem os ensinou a manejar as armas, quem os financia, e o mais importante: quem ganha com a sua existência. Esses grupos dizem lutar por Deus, mas alimentam-se de ouro, tráfico, miséria e abandono. Alguns começaram como movimentos locais de autodefesa. Hoje são milícias transnacionais armadas até os dentes, em motos ou pickups, com GPS, drones e metralhadoras ocidentais.

Mas a verdade é que não nasceram do nada. Foram produto de décadas de abandono, má governação, manipulação étnica e religiosa, e sobretudo da geopolítica internacional que continua a tratar África como um quintal para jogos de guerra e extração de riquezas.

Esses grupos não surgem do nada. São filhos bastardos da Guerra Fria, do fracasso dos Estados pós-coloniais e das intervenções “humanitárias” que destroem mais do que salvam. A Guerra Civil da Argélia (1990–2002) deixou desertos cheios de combatentes desempregados, que se espalharam. Quando o Mali caiu em golpe em 2012, o Sahel ficou exposto. O deserto tornou-se estrada da morte. Em 2011, a NATO destruiu a Líbia e, as armas circularam livremente. Armas pesadas, mísseis e milhares de soldados tribais dispersaram-se pelo Sahel. As fronteiras coloniais artificiais feitas a régua e compasso por franceses e britânicos facilitaram. Assim nascia o inferno onde também hoje eterniza norte de Moçambique.

A religião é só a capa. Por dentro, há ouro, urânio, petróleo, tráfico humano e cocaína vinda da América Latina. O Sahel é rota de tudo. E quem controla a rota, controla o poder.

Hoje, grupos “jihadistas” controlam zonas ricas em ouro, urânio, diamantes e tráfico de drogas, enquanto as capitais africanas fingem governar territórios onde nunca colocaram os pés.

 

Por que sempre África?

Porque África continua colonizada, mesmo sem colônia. Porque os Estados são frágeis, porque os sistemas de ensino são ruínas, porque metade da população é jovem, sem futuro, sem emprego, e a jihad aparece como única via de sentido e redenção.

As fronteiras foram desenhadas com régua por europeus. Dividiram povos, juntaram inimigos, e criaram bombas-relógio. Agora explodem.

 

África tornou-se o território perfeito para este tipo de guerra porque aqui o Estado é frágil, a educação falida, as forças armadas mal pagas e as comunidades divididas.

As potências coloniais nunca deixaram de facto os seus interesses. Mantêm-se presentes nos negócios de segurança, petróleo, mineração e consultoria militar. Precisam de zonas instáveis para justificar presenças militares e negócios opacos.

Aqui, o jovem não sonha com a universidade. Sonha com uma Kalashnikov e a promessa de salário mensal ou virgindades prometidas no paraíso. Num continente onde mais de 60% da população tem menos de 25 anos e vive sem emprego, o terrorismo floresce como planta nativa.

 

Quem financia? Quem ganha?

Por detrás das siglas jihadistas estão rotas de cocaína sul-americana para a Europa, tráfico de armas da Líbia, e mineração ilegal em zonas sem lei.

Os chamados “extremistas religiosos” controlam minas de ouro e extorquem empresários locais.

Vendem segurança onde o Estado não chega. Alguns governos africanos mantêm acordos secretos para evitar ataques a certas áreas.

Ninguém sustenta uma guerra por décadas sem dinheiro. Os financiadores vêm do tráfico de drogas, do resgate de sequestros, da mineração ilegal. Mas também de grandes silências: de Estados que fingem não ver, de multinacionais que exploram recursos em zonas de conflito, de alianças que usam os grupos armados como peões em jogos maiores.

Companhias internacionais de segurança, empresas de exploração de recursos naturais e traficantes internacionais movimentam milhões com esta instabilidade.

E, claro, países estrangeiros mantêm bases militares sob o pretexto de combater o terror — quando o verdadeiro interesse é garantir acesso estratégico a recursos e controlar rotas comerciais.

Na África a morte tem patrocinadores. A miséria tem acionistas. No fundo, este terrorismo é a versão moderna da lógica colonial: dividir para reinar, enfraquecer Estados africanos, garantir zonas de instabilidade que justificam interferência externa e impossibilitam o crescimento de governos fortes.

Essa guerra é também filosófica. Ela reatualiza o controle colonial sob nova roupagem. A miséria programada, o caos funcional, o terrorismo como estratégia de contenção populacional.

Matam-se jovens pobres para que o sistema rico sobreviva.

A religião é instrumentalizada. A identidade é manipulada. A violência torna-se o idioma das relações internacionais. E o africano comum, sem voz, é o sacrifício contínuo em nome de uma ordem que nunca o inclui.

A religião é apenas um pretexto. O verdadeiro motor desta guerra é econômico e político.

As populações locais tornam-se prisioneiras entre o exército nacional corrupto, mercenários privados e jihadistas, sem saber quem é inimigo e quem é salvador.

Nestes estados de conflitos os chefes dizem que combate o terrorismo. Mas o que se vê é militarização, censura e paises onde jornalistas e ONGs são impedidos de reportar. As mortes desaparecem dos comunicados. A dor é apagada dos discursos oficiais.

As jutas militares não são solução. São mais um sintoma. A população continua refém. Sem Estado, sem proteção, sem futuro.

 

E Se gritássemos mais alto?

Chega de silêncios. Chega de aceitar que a África seja o palco perpétuo da dor do mundo.

Precisamos de mais vozes. Precisamos de intelectuais que falem, de escritores que denunciem, de estudantes que pensem.

A maior tragédia africana não é só a violência. É o silêncio intelectual e académico cúmplice.

Universidades discutem teorias europeias enquanto aldeias desaparecem. Escritores e filósofos calam-se para não incomodar governos militares ou embaixadas financiadoras.

África precisa de uma geração que denuncie, que acuse, que escreva, que nomeie os mentores desta guerra invisível.

Que diga alto: não é guerra santa, é guerra pelo ouro, pela droga e pelo controlo geopolítico. E que convoque a filosofia, a história, a antropologia e a política para desmontar esse teatro

macabro.

A guerra invisível é real. E só deixará de existir quando a pensarmos de frente, quando a nomearmos, quando a desmontarmos. Porque o terrorismo é uma construção. E tudo o que é construído pode ser demolido.

 

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