País com escassez de divisas para assegurar importações

O Governo terá assinado um acordo com a empresa Vitol para assegurar o fornecimento de combustíveis nos próximos 12 meses e contornar a escassez de divisas. O acordo prevê um financiamento de 600 milhões de dólares, mas o sector privado diz que tal não resolve a escassez de divisas.
A crise de divisas no mercado nacional parece estar longe do fim. É que de um lado está o banco central que acusa os empresários de reter em quantidades enormes de moeda estrangeira, sobretudo o dólar, e do outro lado os empresários a apontarem o dedo aos bancos comerciais, porém enquanto isso quem sofre é quem vive o dia a dia das importações.
Moçambique importa grande parte dos produtos e serviços que consome. Para tornar isso possível, usa o dólar para adquirir, uma moeda que ficou escassa desde finais de 2024, situação que ficou bastante evidente nas gasolineiras.
Os transportadores diziam, num passado recente, que não tem sido fácil abastecer porque não havia combustível, reclamando da falta do mesmo em vários postos de abastecimento.
Não demorou muito para o sector da aviação também manifestar desagrado, com algumas companhias aéreas internacionais a suspenderem a emissão de bilhetes em agências nacionais por falta de repatriamento de receitas em dólar.
No início deste mês, em entrevista ao O País, Muhammad Abdullah, director executivo da Cotur dizia que “tivemos um período de três meses, aproximadamente, em que não conseguíamos vender no mercado moçambicano ou não conseguíamos emitir as passagens aéreas em Moçambique”, considerando a situação de grave.
A falta de divisas afecta inclusive as empresas que dependem de importação de matéria-prima e equipamentos, conforme indica esta lista da CTA com 60 empresas, com pedidos de pagamento de facturas em divisas não satisfeitos.
E não é apenas o dólar que é escasso. Há relatos vindos de importadores informais que usam o rand, moeda sul-africana, que optaram por adquirir a moeda no mercado negro, assumindo os riscos que daí advem.
É o caso de Deolinda Machiane, importadora informal há mais de 20 anos, que diz que “todo ladrão sabe que quando vem ‘um Dubai’, a importadora ou o importador que se faz dentro do veículo, traz consigo dinheiro”. Para ela, isso é uma vulnerabilidade.
E essa vulnerabilidade a que são sujeitos os importadores informais é causada pela falta de moeda estrangeira nos bancos comerciais. Afinal “os nossos bancos não nos fornecem rands. Tu vais ao banco, mesmo com conta bancária, dizem que não tem rands”, conta Deolinda Machiana, acrescentando que para evitar constrangimentos nos bancos acabam optando pelo mercado negro.
“É possível, depois de adquirir o rand, a pessoa mandar certas pessoas vir a mim, atrás do próprio rand. Segundo, posso adquirir a moeda estrangeira falsa”, revela Machiana.
Para Deolinda Machiana, que é també conhecida como Mukherista, a actual crise de divisas só permanece por falta de vontade das autoridades. “Com a própria conta bancária não tens nenhum rand no banco, mas no mercado negro está cheio de rand. Pergunto de onde vem o rand que está cheio no mercado negro?”, questiona.
Por seu turno, Sudecar Novela, Presidente da Associação dos Mukherista, diz que os desafios têm sido diários para quem prefere usar os bancos comerciais.
“Pode-se fazer essa operação e não se refletir este depósito na conta do fornecedor por uma semana, por um mês, por dois meses, por mais longo tempo. Então, isto não é negócio. O fornecedor, porque não há divisa, o próprio banco não tem divisa para poder transferir, revela Sudecar Novela.
Do informal ao formal, as Pequenas e Médias Empresas são também afectadas. Ângelo Macassa, Presidente do Pelouro de PME na CTA, diz que sofrem mais as empresas das áreas do comércio e da indústria, uma vez que as indústrias usam maquinarias, que por vezes tem que importar peças ou matéria-prima.
“Então, estes são os grandes desafios, os sectores muito cruciais que nós temos. Temos técnicos de mão-de-obra, às vezes, que é preciso vir de fora para vir assistir e fazer a semba de algumas máquinas e não conseguimos fazer o pagamento destes técnicos ou a intenção de suportar os custos deles para cá”, conta Macassa.
Uma solução urgente é necessária, para evitar crises maiores, defende a Confederação das Associações Económicas de Moçambique na pessoa do presidente do pelouro das Pequenas e Médias Empresas, Ângelo Macassa.
“Repara que em alguns dos casos a importação tem que ser feita com antecedência, porque isto é um processo todo, é uma cadeia toda. E se nós conseguirmos fazer a importação agora, temos a certeza que vamos ter os produtos, praticamente, a partir de Outubro para frente, de modo a poder baixar os mercados na quadra festiva”, revela.
Entretanto, de acordo com Macassa, “se nós não conseguimos fazer agora, nestes próximos dois, três meses, temos de imaginar o que vai ser para todos nós”.
O vice-presidente do Pelouro de Política Monetária e Serviços Financeiros da CTA, Egas Daniel, entende que mesmo com as medidas tomadas recentemente pelo Banco de Moçambique, o problema da falta de divisas prevalece.
“A Associação de Combustíveis, em particular o governo, assinou um memorando de entendimento com uma empresa que está a fazer a gestão da crise, oferecendo mais ou menos a flexibilidade necessária para o processo de importação, aumentando o tempo necessário para o pagamento das facturas de combustível e até com crédito disponível de 600 milhões de dólares durante 12 meses para poder lidar com a crise dos combustíveis”, revela.
Mas, segundo Egas Daniel, o combustível é um sector particular cuja solução foi esta “e parece ter ultrapassado a crise que estávamos a viver”.
É que nos outros sectores a crise continua e o futuro pode ser incerto, segundo vice-presidente do Pelouro de Política Monetária e Serviços Financeiros da CTA.
Egas Daniel diz mesmo que o que se viu dos combustíveis, de dificuldades no abastecimento, longas filas de espera, “aquilo é uma amostra do potencial impacto negativo que pode acontecer para os demais sectores, se a situação continuar e a gravidade atingir os níveis em que o sector de combustíveis atingiu”.
Para Egas Daniel, seria o cenário mais pessimista possível, em que alguns produtos começam a escassear no mercado, alguns bens começam a não serem fornecidos no nível desejado em termos de satisfazer a demanda do mercado e pressionar os preços a aumentar.
Minimizado o problema no sector dos combustíveis, o governo é agora desafiado a encontrar respostas para resolver a escassez de divisas no país para evitar uma crise maior.