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Algumas notas sobre “Crónicas de Desastres”

Que desastre!

A Natureza pode estar doente e os ciclones, a seca extrema, inundações que têm assolado o nosso país, ceifando vidas e destruindo a esperança das comunidades podem ser sinais e sintomas que resultam desta doença, chamada mudanças climáticas. Este problema mexe não só com os moçambicanos, mas com todos e exige uma resposta à altura. Não se trata de quem polui menos ou mais, não se trata de ser um país desenvolvimento ou em desenvolvimento, o problema é de todo o planeta.

Com recurso à escrita, imaginação e criatividade, os autores de Crónicas de Desastres unem-se para despertar a consciência de todos nós sobre as mudanças climáticas, transmitindo o seu ponto de vista, bem como apresentando estratégias ou acções concretas como forma a mitigar os problemas que surgem em consequência dos desastres naturais, um mal que frequentemente têm assolado o país.  

Moçambique tem mais de três meses para se preparar para época chuvosa, porém, durante esse tempo, o Governo fica invisível, nada faz e nada fala. E quando a época chuvosa chega, o Governo só aparece 48 horas depois do desastre ter acontecido e, mesmo assim, nada faz, a não ser desfilar a sua classe e apreciar o cenário para, depois, falar com a imprensa. Quem socorre a população são os voluntários.

Na primeira crónica do livro, “Crepúsculo Sombrio”, o Governo é convidado a reflectir sobre o seu papel na redução dos impactos dos riscos causados pelos desastres naturais. Exige-se desse mesmo Governo, que cobra impostos à população, a construção de infra-estruturas resilientes de forma antecipada, bem como ter uma intervenção activa, sobretudo no apoia às vítimas das enxurradas que vêem as suas casas, machambas, animais e outros bens a serem engolidas pelas águas da chuva. 

Enquanto uns reclamam da chuva, outros choram por conta da seca causada pelas mudanças climáticas. Os rios e lagos secam por falta de chuva, o gado fica esqueleto pois a fúria do sol queima o capim. Tudo mudou com as mudanças climáticas e nem podemos contar com a ajuda do Pangolim, que antigamente, tinha a missão de trazer de volta a chuva (esse mamífero tem sido raro nos dias de hoje). 

Por isso, na crónica “Sequestrador da Chuva”, a ciência é vista como uma ferramenta a ser usada para resolver os problemas que afectam as comunidades, e todos nós somos chamados a envolvermo-nos em campanhas ecológicas de adaptação e resiliência climática, a plantar árvores e outras plantas imunes ao sal, à volta da costa para que a terra não seja engolida pelo mar, evitar caçar, usando fogo que destrói a floresta e empobrece o solo. 

Deve-se buscar uma harmonia entre a humanidade e o clima. A força e coragem de um povo moçambicano não são suficientes para lidar com a magnitude das mudanças climáticas. Todos temos que caminhar em direcção à redução das emissões de gases de efeito estufa e implementar estratégias de adaptação. 

É com a crónica “Dança do Clima” que somos lembrados da necessidade do mundo unir-se para salvar a nossa biodiversidade, conservar o ecossistema para evitar a degradação da camada do ozono, e a garantir um futuro sustentável para as gerações vindouras antes que a vida se torne insustentável na terra.

O problema do planeta terra não só afecta o ser humano, os animais também sofrem a cada abate de árvore, que transforma a sua casa e o seu  alimento, num simples troco para o fabrico de objecto para o Homem, sem sequer se importar com a vida do animal e da própria árvore. 

“A Sombra Derrubada” mostra-nos que a falta de consciência ambiental e priorização do lucro, em detrimento do bem-estar do planeta, faz com que a humanidade explore de forma irresponsável os recursos naturais, visando apenas benefícios financeiros sem levar em consideração possíveis impactos das suas acções para o ambiente. 

O abate indiscriminado de árvores sem substituição, assim como as queimadas descontroladas associadas à caça, leva ao desflorestamento, reduzindo deste modo, tudo a deserto. Sem as árvores, sem a chuva, e o sol intenso, só resistem dúzia de árvores, com destaque para embondeiros e arbustos. 

Na crónica “Seca em Kanhemba” e “As cheias em Ndziluene”, este cenário cria a necessidade de se traçarem medidas para o reflorestamento, a reposição das espécies de árvores em extinção, mostrando, deste modo, a importância do Homem cuidar bem das florestas e a caçar de forma racional. A construção de casas em zonas baixas, nos cursos de drenagem da água de chuva, é também uma outra realidade apresentada ainda naquela crónica. De forma a evitar a perda de bens, a crónica faz-nos repensar a possibilidade de habitar em zonas altas e seguras, longe dos cursos de drenagem da água de chuva.

Sobre as drenagens, que quase não existem, em “Para a água Desalgemanda”, o Governo  é convocado a assumir o seu papel em projectos ambientais, assim como nas construções de reservas de águas das chuvas que inundam as casas, machambas e arrastam o gados todos os anos, por não terem um caminho por onde passar. Assim como são feitas estradas para os carros circularem, devem ser construídas estradas (valas) para as águas passarem. 

O nosso mau hábito de deitar frequentemente o lixo em qualquer lugar, faz com que o lixo também se apoderam dos caminhos das águas, constituindo um obstáculo para a sua passagem. 

Em “Lixotoleles”, o maluco da lixeira de Hulene chama atenção aos estudos e letrados para a gestão dos resíduos sólidos, sendo que, a falta da gestão do lixo acumulado à beira da estrada, chega a parecer uma autêntica biblioteca, com plásticos, papel, vidro ou até mesmo chega a parecer um supermercado de ratos, moscas e cães vadios.

Na crónica “Pensem Comigo”, vemos que o ser humano é a maior fonte de desgraça que assola o meio onde ele mesmo vive. O seu desrespeito e a sua negligência com o meio onde vivemos faz-lhe  poluir onde vive. Precisamos de criar uma cultura de protecção do meio, o que implica cuidar e respeitar o meio ambiente. Não é por falta de leis ambientais que os país têm ficado mais doente e mais sensível e quase nada se faz para o curar. Em Moçambique, as leis ambientais apenas servem para minimizar os estragos. 

A necessidade de deixar a Natureza respirar, e não substituir os lugares verdes, o habitat do mangal pelos prédios de betão, é também invocada em “Memória de um sonho”, quando o homem, usando a sua coragem, invade uma zona que não lhe pertence e retira o mangal do seu habitat para, em seu lugar, erguer casas, sem pensar no impacto desta acção. 

Tempos depois, a água invade a casa que o homem considera como proprietário em busca do que lhe pertence por natureza, e, consequentemente, ventos fortes, chuvas, ciclones são respostas da Natureza aos actos cometidos pelo próprio homem. A conservação do mangal não é apenas uma questão ambiental, mas uma questão de sobrevivência para variedade de espécies marinhas, aves e muitas comunidades costeiras. Para além de serem essenciais para combater as mudanças climáticas. 

A ambição do Homem levou-o ao abate de árvores, para fornecer matéria-prima às indústrias nacionais e estrangeiras que poluem o ambiente, mas isso não bastou, o seu egoísmo o levou à extração de recursos naturais, até de areias pesadas. Todas essas acções têm impacto, são casas, estradas destruídas por terramoto, ciclone, tsunamis, aquecimento global, chuvas intensas e erosão. 

“A Esposa Corajosa” convida-nos a pensar sobre a preservação da vegetação, respeitar as zonas impróprias para a exploração, incentivando o plantio de árvores. 

A ganância do ser humano transcende também para a exploração de gás, levando ao enriquecimento do Homem, deixando o alto mar poluído. Vemos essa narrativa em “O Ngoza Tombou”, onde o Homem tem a sua vida facilitada, mas a emissão de gases nocivos que lesionam a camada de ozono é maior, com o uso de máquinas que funcionam dos motores a combustível. E como forma de vingança, o mar cospe de volta o lixo depositado nele, com as suas ondas engole os barcos e navios no alto mar, e a terra estremece causando a ocorrência dos ciclones.  

Em nome do desenvolvimento e da melhoria da vida humana, o Homem violenta a terra até ao extremo. 

A crónica “E Depois de Marte?” revela que a liberdade do Homem mostra a sua irresponsabilidade para com a terra. Uma vez que o Homem, a partir de actividades industriais,  faz a libertação de gases tóxicos à terra e envenena o ambiente com os resíduos industriais, tudo isso contamina o solo, causando aquecimentos globais, ciclones, vulcões e sismos. 

Apesar de estamos no século dominado pela tecnologia, a terra não pode ser restaurada como um smartphone, mas pode-se melhorar o que lhe resta.  E há necessidade de se resgatar no Homem o espírito do ECO 92, COP 27 e o cumprimento da agenda-2030, pois as cicatrizes deixadas pelas mudanças climáticas são muitas.

Ainda vivenciamos catástrofes naturais e doenças. Os desastres naturais ocorrem com maior incidência em África e a sua economia não é tão robusta como a dos países desenvolvidos, mas isso é um ponto de partida, pois, neste mundo onde tudo se resume em negócio,  os países desenvolvidos aproveitam-se disso e, de forma camuflada, mostram solidariedade aos países em desenvolvimento, como Moçambique.

Em  “Redução de Riscos de Desastres”, somos alertados sobre a solidariedade dos países em desenvolvimento, o que sai muito caro aos países em desenvolvimento, pois os investidores encontram meios de explorar as riquezas dos países em desenvolvimento, e, de seguida, dão migalhas em nome de ajuda às populações. Em contrapartida, as suas fábricas de plásticos destroem a natureza. Os mecanismos de gestão dos desastres naturais são uma vantagem para os líderes encherem os seus bolsos. 

Os eventos climáticos extremos continuaram a acontecer, mas temos que ter sabedoria e acção rápida em prol da redução dos riscos de desastres naturais, se quisermos vivenciar “O renascer da cidade de Idai”. Não devemos nos acomodar, temos que buscar novas soluções, pois a natureza é dinâmica e imprevisível, e a resiliência exige constante aprimoramento. A solidariedade e a união são pilares fundamentais na busca pela resiliência.

A redução dos riscos de desastre não se limita apenas aos aspectos técnicos. Todos, desde  o Governo, engenheiros, arquitectos, líderes comunitários e a população em geral, somos chamados, na crónica “O renascer da cidade de Idai”, ao compromisso com a resiliência e sustentabilidade, para actuar em situação de emergência. Para isso, há necessidade de criação de sistemas de alerta precoce sobre a incidência de alguns desastres naturais.

“A ortotanásia da pureza de Muhira” também retrata a necessidade de a comunidade abandonar as suas casas em zonas baixas e pedir abrigo em casas seguras e situadas em altitudes. Isso só é possível quando os ciclones são anunciados antecipadamente. Ter conhecimento da ocorrência de desastres naturais com antecedência, dá tempo às pessoas para se prepararem. Com a informação as  pessoas saberão o que devem e o que não devem fazer. É certo que os ventos arrastam os pertences das famílias, mas as suas vidas estarão salvas.

Muitas vezes, a falta de informação sobre as zonas propensas a inundações faz-nos sofrer. Abandonamos os locais inseguros à procura de melhores condições e acabamos por nos abrir novamente em zonas com as mesmas características. Uma Situação retratada em  “Sofrimento por ignorância”, onde somos convidados a procurar junto com um especialista por zonas seguras e fazer construções resilientes. 

E que tal se fizermos o mapeamento das áreas de risco susceptíveis a ciclones, cheias e outros desastres e transformá-las em parques e reservas naturais de modo que não sejam ocupadas inadequadamente? A transformação não acontece de noite para o dia, mas, com o tempo, com a perseverança e crença de que a acção contribui para a construção de um futuro onde a convivência com a Natureza é harmônica e segura. 

Ainda há muito trabalho a ser feito para alcançar um futuro sustentável.  A biodiversidade foi afectada e até a saúde da população foi comprometida, pois com as temperaturas elevadas cada vez mais preocupantes, as doenças tropicais aumentaram. Enfrentar os obstáculos impostos pela resistência do sector económico sobre o ambiente, assim como superar obstáculos políticos e burocráticos, é a missão de todos nós.

Por isso, em  “A Guardiã do Clima” somos atribuídos a missão de proteger o meio ambiente dos desequilíbrios causados pelas mudanças climáticas, assim como, consciencializados a  tomar medidas de reflorestamento, protecção do ecossistema, investimento em energias renováveis para redução da emissão de gases de efeito estufa.

A preservação da vegetação, assim com o respeito às zonas impróprias para a exploração, incentivando o plantio de árvores, são também apontados em “A esposa corajosa”, onde, através de uma narrativa, reparamos que a ambição do Homem levou-o ao abate de árvores, para fornecer matéria-prima às indústrias nacionais e internacionais que poluem o ambiente, mas isso não bastou, o seu egoísmo levou-o à extracção de recursos naturais, até de areias pesadas. 

Com essas acções, a Natureza se zanga, e para mostrar o quão grandiosa e majestosa é, causa   terremoto, ciclone, tsunamis, chuvas intensas, erosão e invoca a camada de ozono para queimar o ser humano com o sol, aquecimento global.

As mudanças de temperaturas fazem parecer que Deus está zangado com o planeta e estamos no fim do mundo. Se não aquece de forma excessiva, faz frio, se não é ciclone, são terramotos ou cheia. Há sempre algo complicado a acontecer. É com  “Deus não fritou o mundo”, que percebemos que Deus não é culpado por isso, o Homem é que é o causador das queimadas descontroladas, emissão de gases produzido pelas fábricas e queimadura de plásticos, é que é o diabo da Natureza, o inimigo da Natureza.

O desastre, na maioria das vezes, é causado por nós próprios. Para acabar com o desabamento, cheias e outros desastres naturais, a população é convidada, na crónica “O renascimento da minha terra”, a assinar um acordo de paz com a natureza, pois um depende do outro para a sua sobrevivência. A natureza acompanha-nos até à morte e nós devemos cuidar dela para que ela nos dê o que tem de melhor. 

É importante que o Homem cuide da Natureza. Para isso, é fundamental que ele tenha conhecimento sobre as mudanças climáticas. 

A crónica “E se soubéssemos” faz-nos reflectir em torno da prevenção, planeamento, preparação, alerta, resposta, resiliência, sustentabilidade, mitigação e educação ambiental, para lidar com as mudanças climáticas e o aumento de ocorrências dos desastres naturais.

Com esta viagem que acontece dentro das 115 páginas e vinte crónicas, conduzida por 20 estudantes de vários pontos do país, o leitor é convidado a uma reflexão sobre a importância da redução dos riscos causados pelos desastres naturais. 

A colectânea “Crónicas de Desastres” mostra ainda que precisamos aprender com os erros e buscar novas soluções, porque a jornada da redução dos riscos de desastre não tem fim, mas um começo.

* Texto escrito na sequência da apresentação do livro “Crónicas de Desastres”, no Instituto Guimarães Rosa, em Maputo. 

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