Fiscalização rodoviária gera revolta e paralisação em Inhambane

O sol de sexta-feira ainda mal tinha despontado no horizonte, mas as ruas de Inhambane já fervilhavam de actividades atípicas. Agentes da polícia e fiscais municipais posicionavam-se em pontos estratégicos da cidade, prontos para iniciar uma operação de fiscalização que prometia trazer ordem ao setor de transportes, mas que acabou por mergulhar a cidade num caos sem precedentes. A ordem era clara: verificar a legalidade de todas as viaturas que operam no transporte de passageiros.
De acordo com o vereador dos Transportes do Município de Inhambane, Novais Abubacar, esta operação já era esperada. “Alertámos em mais de quatro encontros com as associações e operadores. Esta fiscalização não é uma surpresa. Infelizmente, muitos ignoraram os nossos avisos”, afirmou.
O que deveria ser uma ação de rotina transformou-se rapidamente num campo de batalha entre autoridades e transportadores, expondo as tensões acumuladas por anos de dificuldades financeiras, regulamentações rígidas e uma economia em declínio.
Os transportadores, que asseguram a mobilidade de milhares de pessoas diariamente, não esconderam a indignação. Acusam as autoridades de impor exigências desproporcionais e de ignorar o impacto económico devastador que estas ações têm sobre o setor. “Querem inspeção em dia, seguro, pintura do carro, tudo de uma vez. Mas, com os ganhos que temos, isso é impossível”, desabafou Armando, um operador visivelmente frustrado.
A situação financeira dos transportadores não é um segredo. Muitos acumulam dívidas, resultado de manifestações pós-eleitorais, aumento do custo de vida e, mais recentemente, de uma queda no número de passageiros. “Legalizar uma viatura custa entre 40 e 50 mil meticais. Não temos esse dinheiro. Pedimos um pouco de tempo, até fevereiro do próximo ano, para nos organizarmos, mas ninguém nos ouve”, explicou João, outro transportador.
Sem um entendimento entre as partes, os transportadores decidiram cruzar os braços. A decisão foi um golpe para a cidade. O transporte de passageiros parou, deixando milhares de pessoas sem alternativas viáveis para se deslocarem. As poucas carrinhas de caixa aberta que tentaram operar foram rapidamente interditadas, seja pelos grevistas, seja pelas autoridades.
Julieta Manuel, uma passageira habitual, descreveu o caos vivido. “Saí da praça para Guiua, mas o carro não avançou. Tive de esperar horas, sem saber como chegar ao meu destino. Foi desumano.”
As ruas de Inhambane, habitualmente movimentadas, tornaram-se palco de cenas de frustração. Trabalhadores desesperados por chegar ao emprego e estudantes a perderem aulas eram imagens recorrentes. O impacto humano foi palpável.
Do lado das autoridades, a narrativa é diferente. Para o vereador Novais Abubacar, a paralisação foi impulsionada por operadores ilegais que não querem cumprir as regras. “Estamos a constatar que muitos dos que pararam são transportadores ilegais. Eles querem continuar à margem da lei e estão a forçar-nos a normalizar o que não é normal”, afirmou categoricamente.
Segundo dados oficiais, existem cerca de 60 operadores na cidade de Inhambane, responsáveis por ligar bairros e assegurar a mobilidade urbana. A operação de fiscalização, dizem as autoridades, visa garantir a segurança dos passageiros e combater práticas ilegais no setor.
Com a paralisação, a cidade parou. Trabalhadores atrasaram-se para os seus postos, empresas registaram perdas e atividades essenciais ficaram comprometidas. Para os cidadãos, o custo foi ainda mais alto. Muitos recorreram a caminhadas longas, enquanto outros pagaram preços exorbitantes por alternativas improvisadas.
“É revoltante. Enquanto eles discutem, nós, que dependemos do transporte público, ficamos sem opções. É desumano”, lamentou Julieta Manuel, visivelmente exausta.
Os transportadores mantêm a sua posição: querem um período de adaptação para se regularizarem. “Estamos dispostos a cumprir as exigências, mas precisamos de tempo. Pedimos que as fiscalizações sejam suspensas até fevereiro do próximo ano. Só assim conseguiremos recuperar economicamente e cumprir com tudo o que é exigido”, sugeriu Alberto Samuel, um transportador.
Enquanto as partes mantêm posições divergentes, a população de Inhambane continua a sofrer. A crise atual não é apenas sobre transporte. É um reflexo de problemas estruturais mais amplos, que incluem a falta de investimentos no setor, regulamentações desajustadas e a incapacidade de equilibrar legalidade e sustentabilidade económica.
A paralisação dos transportadores rodoviários é um alerta para a necessidade urgente de reformas no sistema de transporte público. O transporte público em Inhambane não é apenas um meio de deslocação; é o motor que mantém a economia local em funcionamento. Sem uma solução, o impacto poderá ser irreversível, afetando não só os transportadores, mas também a população e a economia da cidade.
Até que um consenso seja alcançado, as ruas de Inhambane permanecem marcadas pela ausência de viaturas e pela presença de uma população ansiosa por respostas e soluções.