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Pedro Chissano: O militante de todas as causas

Não sei como falar deste senhor que hoje está sendo merecidamente homenageado, neste maravilhoso espaço e nesta significativa cerimónia concebida pela Elvira Viegas, pessoa que a nossa Cultura muito deve. Não sei a quem hoje devo prestar o meu tributo, se ao simples cidadão Pedro Baptista Chissano ou ao escritor Mikas Dunga, nome com o qual assinou seus textos. Ambos se confundem. Ambos se comportam como se fossem irmãos gémeos. Ambos se esforçam em serem dignos e respeitáveis: o escritor Mikas Dunga, ao inventar palavras para as suas crónicas e estórias, e o Chissano, cidadão exemplar, pai de uma prole “chissaniana” que conseguiu criar, apesar das vicissitudes da vida. Prefiro falar do escritor, com quem convivi anos à fio. O outro, o funcionário público Pedro Chissano, o chefe da família, o militante de todas as causas, esse não conheço. Esse cidadão simples, de acordo com os que muito bem o conhecem, tem uma história que merece um livro e estou convencido que um dia, alguém vai se dispor a escrevê-lo.

Quando conheci o Pedro Chissano, ele, mais o Eduardo White, o Juvenal Bucuane, o Ungulani Baka Khosa, o Hélder Muteia, o Idasse Tembe, o Tomás Vieira Mário, o Armando Artur, o Elias Khosa, estavam a preparar um barco através do qual pretendiam dar início a uma grande viagem através de um mar de sonhos, essa viagem chamava-se Charrua, uma revista literária que pontificou na década de oitenta. Todos eles, com aquela energia e exuberância que a juventude concede, estavam cheios de grandes expectativas, desejosos de alcançar o céu com as palavras que preenchiam os papeis que faziam circular, ali, nos corredores da Associação dos Escritores Moçambicanos. Foram bons tempos. Inigualáveis.

Únicos na história da literatura moçambicana. Os debates, sobretudo sobre a escrita, sucediam-se intermináveis, e Pedro Chissano, dono de um discurso invejável, esgrimia os seus argumentos, falava dos clássicos da literatura universal, introduzia-nos nos meandros do surrealismo fantástico, nessa voz pausada, cheia de palavras bem articuladas que a cerveja gelada e os petiscos da saudosa Dona Cindoca não conseguiam modificar. Estávamos perante um Pedro Chissano impecável no seu modo de ser e estar, um machangana gingão, de fala pausada e aristocrática. Mas sobretudo um gajo porreiro. É a esse Chissano que tiro o chapéu e para quem debito estas palavras que pecam por serem escassas e provavelmente incapazes de traçar o verdadeiro perfil deste homem que a todos nós prestigia. Foram bons tempos que contribuíram para crescermos por dentro. Penso que terão sido essas tertúlias que fizeram do Pedro Chissano o intelectual que é hoje, o escritor que prestigia a literatura moçambicana e, por conseguinte, merecedor desta homenagem.

Diz-se que não é a quantidade de livros que faz o escritor. Comungo dessa opinião. O Pedro nunca se preocupou em acrescentar livros no seu historial. Em quase 30 anos de careira, apenas dois livros de crónicas o sustentam: BOAS FESTAS CHIQUITO, uma colecção de 20 crónicas publicadas no jornal Notícias entre 1988-1990, e editado em 2007 pela Associação dos Escritores Moçambicanos e ALGUMAS ESTÓRIAS e BRINCADEIRAS COM B GRANDE, quando decorria o ano de 2013. Dizia que Chissano nunca fez do livro e da publicação o seu objectivo, isto é, o seu porto de ancoragem. Satisfaziam-no, isso sim, os livros dos outros e também os que habitavam a sua cabeça. Esses livros, esses best-sellers, fazia questão de mencioná-los, com o seu discurso eloquente, descrevendo interessantes capítulos, criando personagens fantásticos e desenvolvendo enredos fascinantes. Satisfaziam-no, também, as crónicas que duma forma quase religiosa escreveu para o jornal NOTICIAS e que levariam o Nelson Saúte, também ele cronista de méritos reconhecidos, a dizer, e eu cito, que “O espaço de intervenção do nosso jornalismo é comandado pela acção da crónica.

Muitas vezes pede-se a ela que assuma a vocação do jornal e sublime a ausência do jornalismo interventivo. Será que o parco fôlego o permitirá?”. E Nelson Saúte ainda acrescenta: “Confesso que estas e outras dúvidas inquietam-me. Mas, espero que o Pedro Chissano concorde comigo, se eu disser que as estórias que escrevemos nos jornais ajudam-nos a viver este tempo de urgências, neste tempo conturbado da nossa história, neste território, onde muitas vezes o insólito e, por vezes, o sórdido, sustentam conteúdos que transcendem o domínio da ficção. E é nesta contingência em que o nosso cronista (sobre) vive.” Fim da citação.

Ao que se sabe, há algum tempo que Pedro Chissano persegue uma ideia dum livro que começou a escrever, buscando sempre essa perfeição que encontrou em autores renomados, alguns dos quais, ao longo dos tempos, foram tomando conta da sua mesinha de cabeceira. O Chissano é um escritor obcecado pela perfeição. Não concebe e nem consente um livro escrito “com a pressa do vento na mudança das estações”. Um livro exige tempo, labor, criatividade. Só deste modo é que uma obra literária pode se vestir de alguma

grandeza. Mas sabe, o Pedro Chissano, que essa perfeição que ele persegue é difícil de alcançar, e talvez seja esta a razão que faz com que o escritor se busque sempre, se tente ultrapassar sempre, e que felizmente, para o bem da literatura, nunca alcança.

Pediram-me para escrever algumas palavras sobre o Pedro Chissano, confesso-vos agora, que “desconsegui”, como gostava de dizer o poeta José Craveirinha. Porque são necessárias muitas palavras e um excelente exercício de memória para falar deste machangana originário de Guijá, lá nas terras de Gaza, no distante ano de 1956, lugar donde sairia ainda jovem para Lourenço Marques, terra que o acolheu, o fez crescer e o transformou nesse ilustre cidadão que estamos, hoje, a prestar esta justa homenagem.

Passa muito tempo desde que eu e o Pedro nos conhecemos. E a medida que crescíamos a pátria também crescia e as exigências socioprofissionais tornaram-se acrescidas. Chissano se metamorfoseou em tarefas várias. Foi Secretário-geral da Associação dos Escritores Moçambicanos. Editor da revista cultural LUA NOVA. Membro fundador da Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade. Membro do Conselho de Administração do FUNDAC. Coordenador para a Área de Cultura da Agenda 2025, dentre tantas outras ocupações ao longo dos últimos anos. Depois deste atribulado percurso decidiu escolher o seu lugar de exilio, a Matola, onde espera, entre outras coisas, continuar a viver, a cuidar dos seus, a amar quem o ama e sobretudo, ter o tempo suficiente para escrever o grande livro da sua vida.

Por tudo isto, e pelo enorme contributo que deu a nossa sociedade, a nossa Cultura e a nossa Pátria, digo: muito obrigado Pedro Chissano.

 

10 de Maio 2025

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